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2 de abr. de 2020

A HUMANIDADE ENTRE O VISÍVEL E O INVISÍVEL


A HUMANIDADE ENTRE O VISÍVEL E O INVISÍVEL



A pandemia do vírus Covid-19 paralisou quase todo o mundo nos primeiros meses de 2020, com mais de trezentos mil doentes em apenas três meses, mais de dez mil mortes, sendo a maioria de pessoas de idade mais elevada, conforme as estatísticas oficiais, que não param de crescer, da OMS. Editaram-se decretos de quarentena obrigatória em muitos países, inclusive no Brasil, para reduzir o risco de contágio, fechando lojas, shoppings, bares e restaurantes. Competições esportivas foram suspensas mundo afora. Foi reduzida drasticamente a oferta de voos. A probabilidade de recessão econômica mundial é real, bem como o risco de aumento do desemprego e de falência de muitas empresas.

Como chegamos nesse ponto? A comunidade científica foi atacada repetidamente nos últimos anos por variados grupos, como o movimento anti-vacinação e os terraplanistas. Eis, agora, o valor inestimável de cientistas e pesquisadores, que, de modo incansável, trabalham contra a urgência do tempo e sob duras provações em busca de cura.


Inicialmente, os chineses foram ofendidos e confinados, mas, depois, a pandemia fez com que europeus também fossem barrados mundo afora. A União Europeia regressou a um tempo anterior ao Tratado de Schengen, de 1985, e vários países fecharam suas fronteiras. Até italianos do norte foram proibidos de chegar ao sul da Itália, agora menos afetada pela pandemia - e por anos uma região desprezada pelos nortistas. Ironicamente, a Itália era a mais empenhada em bloquear as legiões de refugiados das guerras e da miséria na África e na Síria, que tentavam chegar à rica Europa em embarcações frágeis demais para vencer as ondas bravias do Mediterrâneo.


Santo Agostinho sempre pensou o homem inserido plenamente na sociedade, jamais isolado e alheio ao que acontecia no mundo. Por isso, ele dizia que a reflexão que todos deveriam fazer um dia seria dizer no que você se tornou ao longo da vida, diante de seus velhos sonhos e desejos do passado. Santo Agostinho, ele próprio nascido no norte da África, no que hoje é parte do território da Argélia, usou o simbolismo de três categorias de navegadores para tratar dos desafios filosóficos para a humanidade e as falsas promessas e ilusões de felicidade (Diálogo sobre a felicidade. Lisboa, Edições 70, 2014. p. 14). Três perguntas deveriam ser formuladas sob inspiração agostiniana: você está feliz? Obteve suas riquezas materiais acompanhadas do quê? E sua riqueza espiritual, como está? São perguntas muito pertinentes, mesmo na pós-modernidade. E nenhuma delas escapa de uma miríade de possíveis debates filosóficos, sociológicos, psicanalíticos ou políticos.


A fraternidade é imprescindível nesse momento. O ministro Reynaldo Soares da Fonseca vê na fraternidade “uma ligação universal entre seres igualmente dignos, cujo resultante um complexo sistema de solidariedade social e atenção social aos necessitados, previamente à própria falência do Estado liberal” (FONSECA, Reynaldo Soares da. 2019. p. 51).


Michael Sandel, em seu livro “Justiça” (SANDEL, Michael. Justiça: o que é fazer a coisa certa, 2015. p. 11.), criticou o egoísmo de alguns norte-americanos após o furacão Charley devastar o sul dos Estados Unidos, em 2004, quando muitos obtiveram lucros astronômicos pela venda de água mineral e pão, dois itens essenciais. Em 2020, na pandemia do Corona vírus, muitos estocaram álcool gel e papel higiênico, como se fosse enredo de filme apocalíptico.


A crise advinda da pandemia viral mostrou a importância de um Estado organizado, que possa garantir o funcionamento das instituições fundamentais, como hospitais, transportes, distribuição de água e manutenção de sistemas sanitários, afastando o risco do colapso dos sistemas sociais e de segurança pública.


O Estado deve coexistir harmonicamente ao lado das empresas e da sociedade civil, mas não pode ser insensível à realidade de uma sociedade em crise. O Judiciário teve de fechar os fóruns, mas, graças ao Processo Eletrônico, os magistrados continuam a analisar os processos.


A quarentena durante a Quaresma não permitirá que milhões de trabalhadores fiquem recolhidos em casa, pois terão de continuar em intenso e fundamental labor. São médicos, enfermeiros, cientistas, motoristas, cuidadores de idosos, policiais, farmacêuticos, bombeiros, padeiros, entregadores de produtos, atendentes de hospitais, açougueiros, comerciantes, eletricistas, técnicos de informática, cozinheiros, agricultores, metalúrgicos, dentre tantos outros, que precisam continuar trabalhando.


Após sete milhões de vítimas fatais, a humanidade ainda sofre as dores trazidas pela pandemia viral. Esse momento será superado. Mas, que nunca se esqueça o valor do trabalho de todos os profissionais que dedicaram suas vidas desde 2020 para salvar milhões de outras vidas.

1 de mai. de 2018

1º DE MAIO: OS ECOS DE HAYMARKET


1º DE MAIO: OS ECOS DE HAYMARKET

O dia do Trabalho é comemorado no dia 1º de Maio como uma homenagem de um Congresso Socialista realizado em Paris, em 1889, à grande greve ocorrida em Chicago, em 1886, onde em busca de melhores condições de trabalho, os manifestantes entraram em conflito com policiais deixando mortos, feridos e um processo judicial fajuto contra os trabalhadores, após os eventos. Paradoxalmente, por vergonha ou rancor, nos EUA o dia 1ª de maio não é comemorado como dia do Trabalho, lá é o dia da Lei; labour day por lá apenas em setembro. Em Haymarket Place não há nenhum monumento em homenagem aos trabalhadores vitimados em 1886; porém, após aquele movimento só houve um aumento das garantias trabalhistas em todo o mundo, inclusive no reino do liberalismo.
A proteção ao trabalho decorre de lutas históricas, iniciadas de modo organizado principalmente em decorrência da Revolução Industrial, que gerou jornadas de trabalho infinitas, sob salários reduzidos. As tensões sociais resultantes da Primeira Revolução Industrial, no final do séc. XVIII geraram inúmeros conflitos de interesses e outras tantas manifestações de empregados contra os patrões.
Interessante é que em 08 de março de 1857, as operárias de uma fábrica têxtil, também em Chicago, entraram em greve e paralisaram a fábrica para reivindicar a redução de sua jornada diária superior a 16 horas para 10 horas. Estas operárias foram trancadas na fábrica que foi incendiada criminosamente e cerca de 130 mulheres morreram queimadas. Em 1910, em homenagem àquelas mulheres, durante uma conferência internacional realizada na Dinamarca, foi decidido, comemorar no dia 08 de Março o Dia Internacional da Mulher.
Emblemática ainda dessa luta crescente é o fatídico dia 25 de março de 1911, ainda nos Estados Unidos, dessa vez em Nova Iorque, quando houve a brutal morte de 146 operárias de uma fábrica têxtil, que morreram trancadas e incendiadas no oitavo andar de um prédio, algum tempo depois de uma greve em que buscavam melhores condições laborais, salários iguais aos dos homens e redução da jornada de trabalho, que chegava a dezesseis horas diárias. Os patrões mantinham as portas sempre trancadas durante o expediente para evitar que as operárias fossem assediadas pelo sindicato. Singularmente, depois da tragédia, os empregadores foram absurdamente absolvidos das imputações penais por falta de norma jurídica que dissesse à época que manter os empregados trancados era crime então.
As distorções sociais agravadas pela Primeira Revolução Industrial, no final do séc. XVIII, com mulheres recebendo salários miseráveis, sem tempo para cuidar de sua família (isso quando seus filhos também já não estavam lá trabalhando), sob jornadas de trabalho excessivas, de mais de 14 horas diárias, geraram conflitos de interesses e inúmeras manifestações de empregados contra os patrões, sendo que isso tudo acabou por ocasionar a edição das futuras leis de proteção trabalhista.
Naquele distante 1ª de maio de 1886, mesmo havendo feridas e perda de vidas, a luta não foi em vão; após aquele movimento só houve um aumento das garantias trabalhistas em todo o mundo.
Nenhum direito vem do nada. A conquista é árdua. Será que nós sabemos a importância de todos os direitos que temos atualmente?

7 de mar. de 2017

As diabruras femininas

A Justiça é simbolizada pela Deusa grega Themis. Mas, em 2007, o juiz de Sete Lagoas/MG Edílson Rumbelsperger Rodrigues, disse que a Lei nº 11.340/06, a chamada Lei Maria da Penha, que trata do combate à violência doméstica, é “de uma heresia manifesta. Herética porque é antiética; herética porque fere a lógica de Deus; herética porque é inconstitucional e por tudo isso flagrantemente injusta. Ora! A desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher - todos nós sabemos - mas também em virtude da ingenuidade e da fragilidade emocional do homem. (...) a mulher moderna - dita independente, que nem de pai para seus filhos precisa mais, a não ser dos espermatozóides - assim só o é porque se frustrou como mulher, como ser feminino".

Ora, pois, o juiz atribui à mulher o pecado original e a elas as diabruras do mundoLogo agora, no alto do século 21, depois de séculos de perseguição, com tantas mulheres queimadas como bruxas nas fogueiras da Inquisição, depois das mulheres queimadas vivas em uma fábrica de Chicago em 08 de março de 1857Logo agora, depois que Dan Brown deu aquele nó davinciano ao tratar do sagrado feminino a partir da redenção de Maria Madalena? 

Poderá o juiz, em sua independência de julgar, vir a violar direito fundamental do cidadão ou criticá-lo em razão da sua opção sexual, cor, sexo e religião? Será que a independência decisória está acima dos tratados de direitos humanos assinados pelo Brasil ou acima da própria Constituição Federal? Eu penso que nenhum juiz pode proferir um julgado que seja ofensivo, discriminatório, pois fere letalmente os direitos fundamentais constitucionais, dentre eles, é certo, o direito à não discriminação. E a função do juiz é proteger a sociedade das injustiças e não ser mais um instrumento de injustiça. Por isso, no caso mencionado, a então conselheira Andrea Pachá, do CNJ, pediu abertura de processo disciplinar contra o incauto juiz.

O Judiciário brasileiro está em mutação. Quer crescer, quer ser confiável, quer libertar-se da submissão histórica a que esteve relegado nos últimos quatro séculos. Para tanto busca transparência e aproximação com a sociedade. Sim, ainda bem que a democracia brasileira permite que decisões judiciais sejam conhecidas, analisadas e interpretadas em toda sua extensão.

Porém, apesar de todas as notórias dificuldades que as mulheres ainda encontram nesta vida, percebe-se que nós vivemos um tempo de redenção do feminino; depois de ver tantas mulheres ceifadas pelas chamas da Inquisição e da ignorância, mulheres vilipendiadas e desprovidas de direitos básicos, sem direito a voto, sem voz, sem vez. O reconhecimento jurídico pleno das mulheres é indispensável para termos um estado de direito efetivo, humanista, equilibrado e inclusivo.

Este mundo seria inimaginável sem a ternura da mulher que nos trouxe no ventre e nos deu de alimento o fruto de sua alma e que em seu interior tem a chave para a humanidade. Nada mais inóspito do que um lugar sem a delicadeza e os mistérios femininos, elas que no passado nem tão distante carregavam a culpa do pecado original. São merecidos todos os manifestos à beleza, ao lirismo e à sensibilidade feminina. "Mulheres", livro de Eduardo Galeano, este sim, é um desses manifestos à beleza, ao lirismo e à sensibilidade feminina, verdadeira ode a todas elas que trazem consigo o dom de gerar a vida.

Parabéns a todas as mulheres do mundo, em especial, um beijo amoroso para minha esposa, minhas duas filhas, minha mãe, minhas duas irmãs e minhas amigas, todas elas minhas eternas fontes de inspiração.

Desejo a todos um dia feliz com uma trilha sonora repleta de Marisa Monte, Bebel Gilberto, Gal Costa, Maria Bethania, Joyce, Rita Ribeiro, Flavia Bittencourt, Elis Regina, Alcione, Nana Caymmi, Maria Rita, Ella Fitzgerald, Dionne Warwick, Marina Lima, Leila Pinheiro, Eliane Elias, Diana Krall, Cesaria Évora, Mônica Salmaso...

12 de jul. de 2016

Dia mundial do rock!


       
Em 13 de julho de 1985, Bob Geldolf, vocalista da obscura banda Boomtown Rats, comandou a organização do Live AID, um festival de bandas pop e rock, que tinha por objetivo arrecadar fundos para ajudar a Etiópia, que (desde) então lutava contra a fome endêmica de sua população. O Live Aid aconteceu simultaneamente no estádio de Wembley (em Londres) e em Filadélfia (EUA) e apresentou nomes como o iniciante U2 (consagrado após a bela apresentação de ‘Bad’), INXS, Loudness, Mick Jagger, David Bowie, Dire Straits, Queen, Duran Duran, Santana, a própria banda de Geldolf, Phil Collins entre muitos outros.  O Live Aid arrecadou mais de 60 milhões de dólares que foram doados em prol dos famintos na Etiópia. Desde então o dia 13 de julho ficou conhecido como o dia mundial do rock.
 Em 02 de julho de 2005, comemorando os 20 anos do primeiro evento, Geldolf voltou a realizar outro grande evento, agora chamado Live 8, como crítica ao G8 (grupo dos sete países mais ricos do mundo e mais os russos), com shows também na África do Sul, Rússia, Japão, Alemanha, Itália. Tocaram nesse dia, U2, Paul McCartney, Coldplay, Elton John, Dido, R.E.M., Keane, Madonna, Travis, JET, Bjork,  Audioslave entre outros mais. Porém, impagável no Live 8 foi o último show do Pink Floyd com a grande formação reunida com David Gilmour, Roger Waters, Nick Mason e Rick Wright (falecido em 2008), em uma apresentação maravilhosa. Também foi uma das últimas apresentações ao vivo de James Brown.
 O rock já viveu muitas mutações desde que os legendários Chuck Berry e Jerry Lee Lewis o separaram do bom rhythm’n’blues no início dos anos 50. O Rei Elvis o massificou ao público wasp; os Beatles e os Stones incluíram a Inglaterra no processo de criação; o metal o endureceu; o psicodelismo e o progressivo o tornaram delicado; os Sex Pistols rasgaram suas vísceras e o recriaram ao permitir tudo que nasceu depois: positive punk, cold wave, dark, hardcore, new wave, electronic, grunge… Um processo que está sempre em mutação. Boogarins, um quarteto genial de uns moleques goianos é sensacional e é a nova cara do psyrock brasileiro. 
 Não consigo imaginar a cultura pop sem Beatles, Stones, Pearl Jam, Nirvana, U2, Led Zeppelin, Talking Heads, Strokes, Bauhaus, Joy Division, New Order, Iron Maiden, The Cult, Cream, Kiss, Smiths, Metallica, Titãs, The Cure, Jesus and Mary Chain, Rush, Violeta de Outono, Marillion, Sonic Youth, Legião, David Bowie, Paralamas, The Police, Simple Minds, Radiohead, Siouxsie and the Banshees, Jimi Hendrix… 
Viva o velho Rock and Roll! Viva o novo rock de cada dia.

13 de abr. de 2015

Montevideo

Quando estive em Montevideo pela primeira vez, em 2006, confesso que fiquei muito impressionado com a cidade. Primeiro, a sensação de que um pequeno portal no tempo se abriu e de repente lá estava eu mergulhado em uma página de fim de inverno, no frio de 6ºc entrando pelos poros e chegando a recantos da alma que eu nem imaginava existir. Um dia meio cinza, meio azul celeste, como a cor da bandeira uruguaia.
Em ruas quase desertas o vento batia e voltava mais frio, trazendo uma adorável melancolia que me fez descobrir uma gentileza no povo uruguaio que há muito não via, pensava quase ter desaparecido. E também uma dignidade e elegância de quem foi bem criado e tratado pelo Estado providência de décadas atrás.
Lá me falaram da baixa violência urbana, dos elevados índices sociais e da necessidade de procurar no futuro um crescimento econômico que tire o país da paralisia atual. A cidade mais antiga do que moderna denuncia isso.
Procurei Eduardo Galeano em alguma mesinha do Mercado do Porto, mas encontrei em toda a cidade o lirismo do grande mestre, o que me pensar que apenas quem vive imerso em tamanha poesia tem a sensibilidade de dissecar as veias abertas latino americanas.

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Escrevi como no original castelhano; republicado em homenagem a Eduardo Galeano, falecido em 13 de abril de 2015.

3 de abr. de 2015

OS RITOS PASCAIS



O historiador australiano Geoffrey Blainey, em uma passagem de seu livro “Uma breve história do Mundo”, escreveu que no início do século XX não havia muita diferença entre os costumes de uma família muçulmana e uma família cristã; ambas preservavam valores conservadores, como o respeito  absoluto ao papel dominante do pai, o repúdio ao divórcio, ao aborto e o apego a dogmas como a virgindade (principalmente feminina) antes do casamento e a presença massiva nos cultos religiosos.

Vários processos de transformação social ao longo do século passado mudaram a forma como o Ocidente se relaciona com a religião. Talvez tenha sido o desespero gerado pela tragédia da Segunda Guerra Mundial que iniciou essa desesperança no divino, mas foi a contracultura libertária dos anos 60 que se encarregou de trazer a mulher, os jovens e as minorias étnicas para o centro de todas as discussões importantes e inclusivas. Mudaram os hábitos culturais, a televisão aproximou pessoas, mas distanciou gerações; a sociedade passou a freneticamente consumir, apesar do aviso de Herbert Marcuse em “A Ideologia da Sociedade Industrial” e uma legião hedonista e egoísta despontou.

As sociedades islâmicas, ao contrário, mudaram muito pouco. A pobreza isolou o mundo do Islã; a descoberta do petróleo beneficiou apenas as elites locais, mas o conflito religioso voltou a despertar em 1979, quando os aiatolás tomaram o poder no Irã ocidentalizado, época em que as guerras religiosas ancestrais entre cristãos e muçulmanos estavam pacificadas e na segunda metade do século passado a guerra era fria.

Lembrei disso por causa da Páscoa católica. Na década de 70 a Páscoa me passava uma sensação de silêncio e recolhimento; não se fazia barulho em casa; música apenas clássica; conheci famílias católicas cuja ceia era composta apenas de vinho, pães e torradas feitas com azeite de oliva; não havia ainda o costume atual de troca intensa de ovos de chocolate, que faz a alegria das crianças, chocólatras e da contabilidade do comércio. Cristo era a principal razão de ser da data, própria para um reflexão ética, meditação, recolhimento e penitência sobre o sofrimento de nosso redentor, por nós.

Se o hábito de comer frutos do mar ainda é arraigado no Maranhão, era muito mais antigamente. Uma experiência divertida atualmente é ir a qualquer praça de alimentação de shopping em plena sexta feira santa e ver a quantidade de gente se deliciando com fartos hambúrgueres de carne vermelha – seria esse o supremo pecado da gula? Lembro a carinha desapontada de meu filho Renato, na Páscoa de 2009, à época com 9 anos, que não conseguiu trocar a carne do Mclanche feliz por um McFish (“- regras da casa, senhor”); ainda bem que o bendito Ministério Público obrigou as redes de fast food a vender só os brinquedinhos (que, afinal, é o que as crianças querem de fato). Ao menos meu querubim não comeu carne e ainda levou o boneco do Naruto pra casa.

Temo que hoje boa parte das pessoas veja que o sentido da Páscoa é comer bacalhau e chocolate e que o simpático coelhinho é a estrela da festa.

E virou festa sim, pois no sábado de Aleluia lá estava Ivete Sangalo soltando os demônios na cidade.

E pra quem achou muito ruim o show de Ivete, nem se preocupe, pois na vida tudo pode piorar: na Páscoa do próximo ano pode ter “Rebolation”...

Eu me pergunto: por que será que o vazio espiritual continua tão forte?


8 de mar. de 2014

08 de março. Viva a mulher!

Em 08 de março de 1857, as operárias de uma fábrica têxtil, em Chicago, entraram em greve e paralisaram a fábrica para reivindicar a redução de sua jornada diáriade 16 horas para 10 horas. Estas operárias foram trancadas na fábrica que foi incendiada criminosamente e cerca de 130 mulheres morreram queimadas. Em 1910, em homenagem àquelas mulheres, durante uma conferência internacional realizada na Dinamarca, foi decidido, comemorar no dia 08 de Março o dia Internacional da Mulher. 

Em 25 de março de 1911, ainda nos Estados Unidos, dessa vez em Nova Iorque, houve a brutal morte de 146 operárias de uma fábrica têxtil, que morreram trancadas e incendiadas no oitavo andar de um prédio, algum tempo depois de uma greve em que buscavam melhores condições laborais, salários iguais aos dos homens e redução da jornada de trabalho, que chegava a dezesseis horas diárias. Os patrões mantinham as portas sempre trancadas durante o expediente para evitar que as operárias fossem assediadas pelo sindicato. Singularmente, depois da tragédia, os empregadores foram absurdamente absolvidos das imputações penais por falta de norma jurídica que dissesse à época que manter os empregados trancados era crime. Questão de Direito.


Cerca de 40% dos magistrados brasileiros atuais são mulheres. E a primeira juíza brasileira só foi empossada na década de 50. A primeira ministra de tribunal superior apenas no final da década de 80. Hoje, do alto do século 21, já tivemos uma presidente da república, ministras, governadoras, prefeitas, senadoras, deputadas... Temos razão para ser otimistas!

Este mundo seria inimaginável sem a ternura da mulher que nos trouxe no ventre e nos deu de alimento o fruto de sua alma e que em seu interior tem a chave para a continuação da humanidade. Nada mais inóspito do que um lugar sem o diferente, sem a delicadeza e os mistérios femininos, elas que no passado nem tão distante carregavam a culpa do pecado original. São merecidos todos os manifestos à beleza, ao lirismo e à sensibilidade feminina. 


Mulheres são seres fortes e ao mesmo tempo delicadas como cristais. 


Viva! Hoje e sempre.


8 de out. de 2013

A VIOLÊNCIA NO FUTEBOL

 Eric Hobsbawm, o grande historiador britânico, comentando certa vez a Guerra das Malvinas, disse que a Argentina e a Inglaterra se lançaram em uma louca guerra por um pântano e uma pastagem acidentada e áspera por conta da “solidariedade” que emana de um “nós” imaginário, em oposição a um “eles” ‘simbólico’. Ou seja, são “eles” contra “nós”. Eles, os outros, claro, quem quer que sejam.

Desde os tempos mais remotos o homem vê como inimigo quem é diferente, o ‘etnos’; o outro que virou escravo, servo, excluído, morto, porque era mais fraco, deficiente físico, de outra cor, de outro sexo etc. Lições foram aprendidas depois de tantos séculos de perseguição, depois de tantas mulheres queimadas como bruxas nas fogueiras da Inquisição ou de inimigos do Estado com suas cabeças cortadas. O outro é o inimigo. O preconceito mais comum relaciona-se com a cor da pele, temas religiosos, tema sexual e de classe social. Se, hipoteticamente, todos os homens fossem iguais, outro preconceito seria certamente inventado: quem seria o próximo alvo? O gordo? O canhoto? O magro ou o feio?

O ódio individual e a vingança privada foram sendo substituídos pelo estado kantiano, contratualista  e racional, que tomou para si o poder absoluto de polícia. As sociedades mais evoluídas trataram de punir seus criminosos, com mais ou menos rigor. Países violentos no passado, como Japão e Alemanha, convivem hoje com baixa criminalidade. Porém, países com tranquila convivência social, como a Grã-Bretanha e Itália, convivem com um absurdo fantasma: a violência de torcedores de futebol. Curiosamente, foi um jogo entre dois times dos países respectivos, Liverpool e Juventus, que mudou o panorama do futebol europeu. Era 29 de maio de 1985, na final da Copa dos campeões da Uefa, em Bruxelas. Uma briga iniciada pelos hooligans resultou em 38 mortos e um número enorme de feridos. Foi a tragédia de Heysel. Por conta disso, os times ingleses foram proibidos por cinco anos de disputar compeonatos europeus. Torcedores foram processados, fichados, vigiados. As brigas em estádio minguaram; os alambrados foram sumindo. O estado kantiano agiu e a violência diminuiu. Mas não se enganem, a presença do ‘English Team’ é sempre preocupante em Copas do Mundo (na Alemanha, em 2006, foi um festival de brigas e confusão). Na África do Sul eles certamente vão aprontar; espero que nem se classifiquem para a Copa no Brasil. No filme “Invictus”, de Clint Eastwood, uma piada contada disse que o futebol é um esporte para cavalheiros jogado por hooligans; já o rugby é um esporte de hooligans jogado por cavalheiros. É a pura verdade. Brigas acontecem mundo afora, na Argentina, Chile, México, Colômbia, em países africanos e europeus. Na Turquia a faca dita as regras.

No Brasil, palco da Copa do Mundo de 2014, vergonhosamente a violência assola o futebol. Brigas dentro e fora do campo. As cenas do Estádio Couto Pereira invadido e destroçado pela própria torcida caseira na última rodada do brasileiro de 2009 são lastimáveis em todos os aspectos. A pena máxima aplicada ao Coritiba foi até pequena. A torcida fascista avalanche do Grêmio coleciona confusões. Nome aos bois: Independente, Raça Rubro Negra, Gaviões da Fiel, Torcida Jovem, Mancha Verde ...  

Os inimigos podem ser eles, os ‘bambis’, contra nós os ‘porcos’; ou vice versa. Eles os ‘bacalhaus’, nós os ‘urubus’; eles, as ‘raposas’, nós os ‘galos’. As torcidas organizadas são espécies de gangues pós-modernas, sem moral, ideologia, razão de ser, o que Laranja Mecânica de Kubrick havia previsto.  Não importa, se tua camisa é diferente, viras inimigo geral. Serás a próxima vítima! As últimas brigas entre torcidas organizadas de Palmeiras e São Paulo ou do Corintians contra vascaínos não serão, infelizmente, as derradeiras. Elas voltarão sim. Outros morrerão.

As tentativas heróicas do Ministério Público de São Paulo de proibir as torcidas organizadas sempre encontram adversários. Interesses econômicos ou políticos movem as organizadas. Diretores abastacem simpatizantes de ingressos e material esportivo. Políticos colhem seus votos. O sentimento de impunidade reina. O esporte fica em segundo plano. A insanidade chegou ao ponto de se correr risco de morte ao vestir a camisa de seu time. Ou essas ‘torcidas’ são proibidas de vez ou então os jogos terão de ser de uma torcida só. O futebol, cantado em verso e prosa, musicado pelo tricolor Chico Buarque, pelo vascaíno Paulinho da Viola e pelo rubro-negro Jorge Benjor está sob risco de emudecer.


Antes que eu esqueça: em Heysel, a Juventus ganhou de 1 a 0 e foi campeã. Gol do mago Michel Platini. Não é isso que importa para o futebol?

3 de out. de 2012

The Pacific

The Pacific é a aguardada sequência do excepcional “Band Of Brothers” de Tom Hanks e Steven Spielberg. Não é uma continuação, porém. Enquanto “Band Of Brothers” narra a saga européia da Easy Company, do 506º Regimento de Infantaria Pára-quedista do Exército Americano, 101ª Divisão Aerotransportada (‘screaming Eagles’) na sua campanha na Segunda Guerra Mundial, “The Pacific” aborda a atuação dos fuzileiros navais na guerra do Pacífico. 

A nova série foi produzida por Steven Spielberg, Tom Hanks e Gary Goetzman, em associação com um pool de produtoras composta pela HBO Filmes, Playtone, Dreamworks e Seven Network. A base do roteiro foi o livro de memórias de Eugene Sledge, “With the Old Breed“. A série conta histórias de três fuzileiros americanos, Robert Leckie, John Basilone e Eugene Sledge, que lutaram contra os japoneses no Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial. As filmagens da série foram na Austrália, entre agosto de 2007 e o início de 2009. A série teve dez episódios. Os elementos centrais de “Band Of Brothers” foram mantidos: estética preciosa, fotografia delicada, música sensível e os depoimentos dos antigos marines no início de cada episódio. 

 A guerra no Pacífico foi duríssima; além da valentia infinita dos nipônicos, os fuzileiros tiveram de lutar também contra a malária, os mosquitos, a chuva, a fome, a sede, a lama e o isolamento. Spielberg e Hanks mantêm um dos melhores aspectos de “Band Of Brothers”, a abordagem humanista do soldado, envolvido nos conflitos humanos, na angústia, no medo, na dor, no sofrimento e na esperança de superar tudo e voltar à vida de origem. Uma cena final marca tudo: um taxista que leva um dos fuzileiros pra casa lhe diz que a corrida será um presente, pois ele também lutou na guerra, mas na Europa, não no inferno do Pacífico. Ele soube reconhecer o valor e o sacrifício do marine. Imperdível.

Ray Bradbury

A literatura perdeu RAY BRADBURY em 5 de junho de 2012. O escritor norte-americano tinha 91 anos. Bradbury deixou mais de 500 obras, entre peças, romances, contos, roteiros de cinema e televisão. Suas duas obras mais marcantes foram Crônicas Marcianas e Fahrenheit 451. Bradbury, em seu livro Fahrenheit 451, desenvolve uma visão sombria da opressãoem um Estado inominado, em futuro incerto, que tenta controlar a sociedade queimando todos os livros existentes, sob o argumento de que os livros oprimem o povo. A marca singular é que os encarregados da tarefa eram bombeiros! A temperatura de 451 graus Fahrenheit é o ponto de combustão ideal para queimar papel, reduzindo-o a cinzas. Aqui, as casas são à prova de fogo e o papel dos bombeiros, paradoxalmente ao queimar livros, equivale ao de uma polícia política, limitando a liberdade de consciência do indivíduo. Quem transgride normas básicas de conduta, como ter um livro em casa corre o risco de prisão ou mesmo pena de morte. A rede de informações organizada pela Polícia Política (bombeiros) garante a constante vigilância e medo dos habitantes, que guardam em segredo seus livros proscritos, com medo da condenação estatal, que pode consistir em execução sumária, como uma velha senhora que por recusar-se a entregar seus livros aos vigilantes, morre queimada juntos com eles, na casa em chamas. A consciência em uma sociedade assim só aparece após um momento de curiosidade e de transgressão individual, em que ao libertar-se desses padrões rígidos de conduta, supera-se a alienação original imposta pelo estado e passa-se a viver sem as limitações originais. O cineasta francês FRANÇOIS TRUFFAUT fez uma bela leitura da obra, realizando o filme de mesmo nome, na década de 70, com a participação inesquecível do ator britânico Richard Burton. Ao eterno!

15 minutos de fama

Andy Warhol, o célebre artista pop americano, certa vez disse que “um dia, todos terão direito a 15 minutos de fama”. Nem todos, claro, é bem verdade. Mas na atual sociedade midiática e globalizada, regida pela imagem e pela intensa troca de informações, muitos conseguem as luzes dos holofotes. Aparecer, ser visto e cultuado. Identificar essa necessidade de aparecer a todo custo, de ser famoso e de lucrar com isso parece ser uma face da sociedade hedonista que cresce a cada dia. Os reality shows como o BBB instigam a uma reflexão sobre o tema. 

A ideia do Big Brother nasceu da obra ‘1984’, que George Orwell escreveu em 1948 (daí a inversão dos números finais para um futuro e distante 1984 – para nós já um passado rígido). O livro é, na verdade, uma crítica ao Stalinismo, com sua fachada rígida e intolerante, cujos crimes ainda não haviam sido denunciados abertamente, mas que tem como panorama os riscos de uma sociedade exposta à vigilância constante do Estado. A leitura de 1984 impressiona pela ambientação sombria de um Estado que tudo controla (supostamente a própria Inglaterra, já que a estória se passa em uma Londres fictícia.), mediante vigilância eletrônica em cada recinto, casa, trabalho ou rua. É um livro cujo enredo está cada vez mais atual, ante a capacidade tecnológica que permite hoje a vigilância ininterrupta por teletelas e micro-câmeras, escutas telefônicas, satélites, etc. Nunca um dos pilares do Totalitarismo foi tão bem explorado quanto o poder de vigilância do Estado, ou em seu nome. O Estado orwelliano é tão monstruoso e pretensioso na tentativa de tudo controlar, que chega até a criar o “Ministério do Amor” (!!), encarregado de impor limites à ordem e determinar a vida afetiva de seus habitantes. Havia também o “Ministério da Verdade”, a “Polícia do Pensamento” e o Ministério da Paz (que tratava da guerra!), além do Ministério da Fartura. O resultado é um livro perturbador, repleto de citações sombrias de vidas vegetativas, sem sentido e sem rumo, tudo sob o controle do “Big Brother”. O Grande Irmão Estado, que criou uma “novilíngua” para seus habitantes, conseguia mudar até mesmo a história passada com o marketing político. Da mesma forma, usava maquiavelicamente virtuais vitórias em guerras distantes para unir forçosamente os habitantes contra um inimigo externo, criando um sentimento de apego nacional contra “eles”, quem quer que fossem. 

A brutalidade com que o “Big Brother” pune os amantes do enredo, Winston e Julia, que ousam apaixonar-se sem a permissão do “Ministério do Amor” é aterrorizante, criando um clima claustrofóbico, insuportável, transmitindo a sensação da repressão e da frieza do regime. Já em “A Revolução dos Bichos”, ORWELL cria uma suposta fábula em que os animais se revoltam e tomam de assalto a fazenda onde vivem, expulsando o antigo dono, Mr. Jones, passando a comandar o lugar. Os porcos se apressam em assumir o comando e logo um deles, de nome Garganta, será o mais poderoso. Usando artifícios como confundir o passado com o presente, impedindo a reflexão dos animais, Garganta impõe-lhes as maiores privações e repressão, lembrando sempre que por pior que seja o presente, pior seria se Mr. Jones voltasse, criando um sentimento coletivo de que então o novo é melhor do que o velho. Mas a partir da dominação básica os porcos impõem um regime de terror pior do que o antigo. ORWELL fez uma dura crítica aos rumos da Revolução Russa de 1917, insurgindo-se contra a ditadura instalada, que em nome da imposição do novo regime, violou frontalmente direitos básicos do povo, impondo-lhe terríveis sacrifícios. Tema semelhante é abordado em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, que imagina um Estado pós-fordista, que controla até a natalidade e a continuidade da vida, em uma sociedade asséptica e rigidamente vigiada. 

Ao trabalhar com os conceitos de domínio absoluto do povo pela imposição ideológica, repressão política e controle dos atos e informação, Orwell e Huxley deixaram obras fundamentais, repletas de elementos típicos do Totalitarismo, em uma atmosfera sombria e angustiante, propositalmente idealizada. Um libelo contra a alienação e dominação ideológica. P.S. Na final da Taça Rio de futebol de 2012 bastou uma bela gandula chamada Fernanda repor com extrema rapidez uma bola que originou um gol do Botafogo contra o Vasco para o fato ser mais do que suficiente para ela vir a ser convidada para dar entrevistas mídia afora e virar uma celebridade imediata em todo o país. Na semana seguinte ela já estava esquecida; da mesma forma que a grande maioria dos chamados BBB’s ou dos que viram fenômeno de acesso no You Tube ou em redes sociais. Tudo em apenas 15 minutos. http://colunas.imirante.com/platb/jamesmagno/2012/05/17/15-minutos-de-fama/andy_warhol/

O universo jurídico paralelo

Em novembro de 2011 algumas dezenas de estudantes da USP invadiram o prédio da reitoria da Universidade e lá permaneceram por alguns dias, inicialmente em protesto contra a prisão efetuada pela Polícia Militar de três estudantes que estavam fumando maconha no campus. Depois o temário mudou para pedir a saída do reitor, o fim da “repressão na universidade”, o fim do convênio com a polícia (firmado após o latrocínio de um aluno) e outras vagas reivindicações. Outras pessoas agregaram-se à ocupação: estudantes de outras universidades, militantes de micro partidos de extrema esquerda ou meros curiosos. Após negociações infrutíferas foi dada ordem judicial para desocupação, ordem que foi apoiada pela maioria da opinião pública e que foi cumprida rapidamente pela PM, que efetuou cerca de 70 prisões. E, no início de 2013, o Ministério Público de S. Paulo denunciou alguns deles pelas infrações praticadas.


Após a desocupação vieram velhos políticos e pseudo intelectuais criticar a repressão típica da ditadura e apoiar a liberdade de expressão desses jovens ‘reprimidos pelo sistema’. Camille Paglia certa vez disse que devemos desconfiar de pessoas velhas que continuam rebeldes; a rebeldia é dada apenas aos jovens, que após maturá-la um dia irão amadurecer e ajudar a sociedade a melhorar. Se na época da verdadeira ditadura brasileira os estudantes lutavam por voz, por liberdade e por democracia, hoje, a máscara nunca escondeu as faces dos invasores da USP: estavam amesquinhados apenas em sua vontade de consumir suas drogas sem serem incomodados! Alienados da violência social que a droga traz e apoiados por uma dezena de radicais esquerdistas saudosos do stalinismo, as mentes juvenis são facilmente envenenadas com sonhos mentirosos de um mundo igualitário. O que garante a igualdade na democracia é a lei. 

A estrutura kantiana do Estado funciona assim: os cidadãos (eleitores, homens e mulheres) exercem seu direito de voto e elegem nossos representantes, que fazem as nossas leis, as quais nós somos obrigados a cumprir. Se a lei não é boa, podemos tentar mudá-la por um novo processo legislativo ou ir ao judiciário tentar convencer um juiz sobre o defeito da norma jurídica: será o magistrado que dará razão ou não ao postulante. A desobediência ao conjunto legal gera punições de variados tipos, que vão de multas a prisões. Não há um universo jurídico alternativo brasileiro que permita, por exemplo, que o MST possa invadir uma propriedade e sair ileso disso. Haverá sempre processo contra os invasores. Se haverá condenação ou absolvição apenas o caso concreto dirá. Não, jovens estudantes, não, isso não é ditadura! Se o Brasil ainda fosse uma ditadura vocês sequer poderiam fazer alguma crítica ao Estado. Nem sairiam de casa se houvesse estado de sítio. O que houve diante de sua invasão a um prédio público foi a invocação da teoria da responsabilidade civil brasileira. Destruiu? Indenize! Causou prejuízo? Indenize. O STF já alargou bastante o conceito de liberdade de opinião ao permitir as marchas da maconha. Mas não existe uma ordem jurídica paralela para permitir que estudantes invadam, destruam e depredem sem que sofram sanções por isso, independentemente da motivação. E a polícia, vigilante do Estado, sempre aparece com a conta na mão para cobrar. Assim ocorre nas famosas ‘ditaduras’ da Dinamarca, Suécia, Holanda, Alemanha, França, Itália… A polícia sempre aparece para restabelecer a ordem. Lembram dos conflitos incendiários em Londres em 2011? Em outras vezes a lei já testada. Foi testada pelos controladores de voo em 2008 e pelos bombeiros amotinados no Rio de Janeiro; inicialmente reprimido, o movimento dos bombeiros de 2011 saiu vitorioso e inspirou atos gêmeos; a Constituição Federal e o Código Penal Militar estão sendo testados agora pelos militares maranhenses. O art. 142, IV, da Constituição proíbe aos militares a sindicalização e a greve. O STF já interpretou que o conceito de militares deve englobar os militares estaduais. Por isso é uma afronta ao estado constitucional a paralisação dos militares por salário: isso, tecnicamente, não é greve, pois a eles não lhes foi dado tal direito. A condução do processo de reivindicação está equivocada. Se antes era feito um ‘panelaço’ pelas esposas, agora os militares, outrora contidos pelo Direito Penal Militar, paralisam suas funções sem medo. 

A via reivindicatória deveria ser a da política, com trabalho de convencimento de quem pode conceder-lhes aumento e o atendimento de suas reivindicações. Acho até que poderia ser emendada a Constituição e pela via legislativa garantido direito de greve aos militares, mas sempre dentro da Lei. Uma interpretação ampla da Convenção 87 da OIT leva a isso. Afinal, pela via kantiana foi garantido ao menos o direito de manifestação diante de uma injustiça da lei. Aqueles estudantes invasores, em seu inerente estado de rebeldia, querem a anarquia para fazer o que bem entenderem, sem a presença do Estado. Os pseudo intelectuais, por seu turno, querem é dominar esse Estado e moldar-lhes a face conforme a imagem do espelho. Os policiais querem aumento, ainda que à custa de uma paralisação ilegal. 

A verdadeira Democracia atrai responsabilidade geral e plural. A democracia impõe direitos e deveres, respeito à lei e à ética.

8 de dez. de 2011

A Música na era da informação

Um amigo me ligou dizendo que tinha perdido todos os dados do disco rígido de seu computador. E lá dentro, além de textos e arquivos gerais, estavam cerca de dez mil músicas e vídeos armazenados carinhosamente ao longo de tanto tempo. Solidarizei-me com ele e aliviado lembrei que pelo menos os meus discos de vinil, cds, bds e dvds estão livres de vírus. 

Nos atuais tempos de Internet a quantidade de informação que cada um obtém é proporcional à sua curiosidade. A criação do formato digital, depois com a compressão de dados levou a música a adquirir novas fronteiras usando a internet. Vivemos na era tecnológica mais fascinante da história humana; qualquer coisa convertida digitalmente pode sair de um celular ou computador do interior do Turcomenistão e chegar em segundos ao Cazaquistão. Com isso podemos conhecer artistas fora do mainstream, produzindo jazz, pop, rock ou música erudita em todos os cantos do planeta. World music virou um conceito sem precisão! Hoje aponte seu mouse para o ícone da Apple iTunes store ou Playstation store e em alguns minutos qualquer música estará em seu disco rígido. E isso é de fato sensacional, pois colocou um mundo inteiro de possibilidades ao alcance de nossos dedos. Mas se usar pirataria junto podem vir os intrusos vírus. Por isso eu, meio dinossauro, ainda prefiro comprar discos em vez de ter simplesmente um disco rígido cheio deles, embora seja cliente cada vez mais assíduo do iTunes. 

Nos anos 80 se em alguma loja local não tivesse aquele desejado disco (de vinil) com as últimas músicas de seu artista favorito, só através de encomenda pelo catálogo da gravadora ou incomodando algum amigo que estivesse viajando para outra cidade, que teria de trazê-lo cuidadosamente na mão, sob o risco permanente de não quebrar. E se você mesmo fosse o viajante traria para si e para os amigos – eu mesmo fiz muito isso; em 86 eu viajei com meu Pai por várias cidades e em Aracaju encontrei em uma loja o segundo álbum dos Smiths: levei-o na mão pelo resto da viagem inteira, junto com o single “she sells sanctuary do Cult. Tragicamente o disco do Cult quebrou, mas até hoje eles dois e mais os muitos outros comprados naquela viagem ainda estão guardados em minha prateleira. Em 1989 eu aderi ao compact disc, ao comprar meu primeiro cd – The First Circle, de Pat Metheny – na saudosa Mesbla da Rua Grande. Como vou esquecer o lugar onde comprei meu primeiro disco digital? Esse disco ainda está impecavelmente guardado, apesar do tempo. 

Um HD quebrado é apenas um inválido pedaço de metal. Um disco, mesmo rasgado ainda conserva certo valor. O que me faz gostar dos discos, além da música, claro, é a memória visual, a arte, o contato entre pele, plástico e papel, o cheiro do novo esvaindo-se com as folhas do calendário. Um disco me permite lembrar o dia e o local em que foi comprado; me permite voltar no tempo como se fosse uma fotografia antiga. Meses atrás eu estive nas grandes galerias do rock em Sampa e fiquei procurando a loja em que eu tinha comprado o primeiro álbum do Lloyd Cole – e melancolicamente descobri que ela já não existia mais, virou uma casa de sucos, virou suco. Como tantas outras, mundo afora. É parte da memória do tempo.

Ameaça de extinção: lojas de discos

Passar uma manhã de sábado perdido na Modern Sound, a tradicional loja de discos na rua Barata Ribeiro, em Copacabana, era um dos momentos preferidos em todas as vezes em que eu viajava ao Rio. Lá, eu iniciava o dia remexendo as prateleiras, escutando o show ao vivo no bistrô, regado a bolinhos de bacalhau e chopp glacial. Só depois de ter cumprido esse ritual o meu dia começava e eu partia para o resto da Cidade Maravilhosa. Em dezembro de 2010 inesperadamente a loja fechou! A exemplo de outras tradicionais lojas de música mundo afora, como a Virgin em NY, a Gramophone e Hi-Fi no Brasil, a Modern Sound não resistiu a um dos aspectos mais perniciosos da globalização: a pirataria musical e a queda acentuada na venda de cds. 

Não é de hoje que eu reparo que as antigas lojas desapareceram e continuam a desaparecer das ruas brasileiras. Os grandes magazines tomaram seu lugar físico e o grande estoque fica trancado em algum galpão da cidade, já que a melhor parte dos lucros já vem da venda nos sítios de web. A indústria da música vive um paradoxo. Com tanta informação na Net hoje é fácil gravar um disco; mas quem vai comprar se tudo pode ser baixado de graça? E se também é fácil e barato comprar direto de sites estrangeiros. Dez anos atrás diziam que as livrarias também desapareceriam, mas sua longevidade chega a ser melhor do que a dos discos. A variedade de títulos, de interação com o público em oficinas, a diversificação de produtos (até discos e blurays) e palestras mostra um caminho interessante a ser trilhado. As lojas físicas estão fadadas a sumir e tudo será virtual. Mesmo as que mesclam venda de discos, com equipamentos musicais ou bar-restô, como era a Modern Sound, correm risco. Claro que as grandes gravadoras provaram do próprio veneno e são responsáveis pela sua derrocada; primeiro ao praticar preços extorsivos pelos discos durante décadas. E por continuar com os preços elevados mesmo depois dos sinais de que as gerações mais novas não têm apreço pela bolachinha prateada e pegam tudo de graça da internet. 

A verdade é que apenas colecionadores, saudosistas e apaixonados pela música continuam a comprar discos. É certo que é muito mais fácil e prático manter arquivos compactos em ipods e hds; o problema é quando eles queimam. Pelo menos o sistema de compra da iTunes store permite um backup do que foi comprado legalmente lá. Não raro sinto-me dinossáurico ao comprar cds. Mesma na cult Galeria do Rock, na região da República, em S. Paulo, procuro lojas antigas e vejo em seu lugar surgirem butiques, tattoo studios e salões de beleza. Ver a resistência da London Calling ou Baratos Afins é fato animador, é bem verdade. Na época do fechamento da Modern Sound, o cantor e compositor Marcos Valle, em entrevista para o Globo, disse que seu fim era uma perda irreparável: “Além de uma loja sofisticada, virara uma casa de shows excelente, perfeita para o lançamento de CDs, com shows que atraíam grande público e davam trabalho a muitos músicos. Sinceramente, lamento profundamente, como o fiz no fechamento do Mistura Fina”. Também o compositor Ronaldo Bastos lamentou o fim de "um oásis de cultura e sofisticação"; ele disse que “uma instituição como a Modern Sound quando fecha o que se perde é o que a indústria da música mais precisa e, paradoxalmente, deixou se esvair pelo ralo: mágica. É lamentável ver que essas ilhas estejam sendo submersas enquanto quem deveria procurar a solução repete um discurso técnico contaminado por essa vanguarda do atraso que hoje toma conta da mídia e das instituições culturais, arrotando de boca cheia bobagens como o fim do disco, o fim do quadro, o fim dos direitos etc. Algo ideologicamente oposto aos interesses fundamentais da indústria cultural”. Eu não sabia que minha visita em março de 2010 seria a última à Modern Sound. Guardarei sua lembrança, já que a música evoca lugares, pessoas, aromas, sentimentos… Da última visita eu trouxe de lá o disco do SambaJazzTrio, que a todos encantava nas manhãs de sábado e outros muitos mais. Vem imensa saudade quando observo os adesivos nos discos com as logomarcas das lojas. 

Na minha memória afetiva os selos são a certidão de nascimento dos discos; alguns deles serão inesquecíveis: Pat Metheny, “The first circle”, meu primeiro cd, comprado na Mesbla, São Luís, 1989. Lloyd Cole & The Commotions, “Rattlesnakes”, vinil, comprado na Bruno Blois, SP, 1986, na companhia de meu Pai. Legião Urbana, “Dois”, vinil, comprado na querida Discomania, em São Luís, 1986. The Cult, “Ceremony”, cd, comprado na Hi-Fi, SP, 1992. Peter Gabriel, “Passion”, cd, Modern Sound, RJ, 2010. Todas já fecharam.

Faz bem ou faz mal?


Todo dia uma nova pesquisa científica é publicada no mundo, sobre os mais variados temas.
As conclusões são surpreendentes e muitas vezes totalmente contrárias umas às outras.
A lista é enorme. Eis alguns exemplos.
Ovo faz mal. Ovo faz bem.
Chocolate faz bem. Chocolate faz mal.
Usar fone de ouvido relaxa. Usar fone de ouvido causa surdez.
Beber água gelada faz mal. Beber água quente também.
Levar prato plástico ao microondas é ato cancerígeno. Levar prato plástico ao microondas não é cancerígeno.
Refrigerante é cancerígeno. Apenas refrigerantes amarelos são cancerígenos. Nenhum refrigerante é cancerígeno.
Suco de polpa de fruta não tem vitaminas. Sucos artificiais possuem corantes letais. Sucos de frutas sempre são nutritivos, até os artificiais.
Celular causa câncer ou celular não causa câncer?
Tomate é mágico, desde que seja orgânico, pois o que está no supermercado está sempre contaminado por agrotóxicos.
Ler em veículo em movimento causa descolamento de retina ou ler em veículo em movimento não causa descolamento de retina?
Assistir tv gera miopia?
Carne vermelha faz mal?
Carne de porco também faz?
Comer muito peixe é fatal?
Café faz mal para o organismo ou café faz muito bem para o organismo?
Jogar videogame exercita os reflexos e é relaxante ou jogar videogame causa dependência e violência?
Dormir muito é causa de obesidade ou dormir muito faz bem à saúde?
Dizem que até fazer um vistoso mega hair faz mal, pois gera lesões no couro cabeludo!
Acho que a única certeza é que ler pesquisas causa incerteza...

A democracia opiniosa


A opinião pública na democracia funciona como termômetro, em um simbolismo adequado ao calor das mais variadas discussões. A liberdade de expressão, consagrada constitucionalmente no Brasil, permite que todos manifestem sem amarras seu pensamento. Daí que a população tem expressado tal direito no temário que vai da escalação da seleção brasileira ao novo escândalo na política. Ter consciência crítica é excelente: demonstra apego à coisa pública, mostra o caráter participativo do indivíduo em sua vida democrática e vigilância social.
Ocorre que liberdade de opinião não é salvo conduto para ofensa. Deve ser observado o equilíbrio jurídico do regime, que prevê uma teoria da responsabilidade civil e penal pela prática de atos antijurídicos, como calúnia, injúria e difamação.
Em 2006, durante uma visita a Buenos Aires, o taxista me perguntou o que eu fazia no Brasil; após minha resposta, para minha surpresa, ele mostrou que conhecia em detalhes a Suprema Corte de seu país e, inclusive, criticou algumas decisões de um dos juízes favoritos dos juristas brasileiros, Eugenio Zaffaroni, penalista cultuado mundo afora e magistrado Supremo na Argentina. Eu fiquei em um misto de incredibilidade e surpresa com a conversa, confirmando, o que todos sabem, que na Argentina (e também no Uruguai e no Chile, só para ficar no Cone Sul), o alto nível de formação educacional da população demonstra porque os índices sociais são bem melhores por lá.
Faço esse preâmbulo por lembrar que a Presidenta da República ao nomear a ministra Rosa Weber do TST para o Supremo Tribunal Federal acolheu uma aspiração formal da magistratura trabalhista. A ministra Rosa Weber reúne todos os adjetivos que são exigidos para tão elevada função: jurista de carreira brilhante, experiente, competente, honesta, devotada à justiça e de tantos outros predicados que são pleonásticos. Pois bem, ao acessar os sites de notícia falando de sua escolha é com muita tristeza que eu li os comentários dos leitores: a maior parte debochando, querendo saber quem ela iria “defender”, quem seria o protegido e outras indignidades que não merecem nota.
Lembrei do taxista argentino. E quis estar de volta naquele táxi. Ele teria algo mais inteligente a me dizer e se não soubesse me levaria à Praça de Maio para que alguma das ‘locas’ me inspirasse. Eis a diferença: nossa democracia é sólida, porém a maioria da população é alienada, vazia, fútil, ignóbil, manobrada pelo obtuso achismo midiático: isso leva à superficialidade de suas constatações. Nem falo de quem não teve uma boa educação de base: eu falo de pessoas que se acham informadas e daí passam fácil para a crítica leviana e míope. Poderia ser qualquer jurista o nomeado: nenhum teria sorte diferente. Vivemos a era do achismo e da frase opiniosa.
Ao acessar um famoso blog sobre temas televisivos (http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br) li um comentário de um certo Damien Carvalho (provavelmente leitor fake), sobre o fato de o Ministério da Justiça ter alterado a classificação da novela da Globo ‘A Vida Gente’, exibida às 18h, que teve sua faixa etária mudada de ‘Livre’ para ‘10 anos’, dado o enredo ter sido analisado como angustiante. Damien disse: “A censura está de volta. Parece que é isto o que o Ministério da Justiça pretende! Apesar da constituição garantir liberdade ao cidadão, não se vê isso atualmente!!! A censura deve ser uma escolha nossa e não deles. nossa censura: o controle remoto. É o Brasil!!!”
Não, Damien, não, isso não é censura! Se no Brasil ainda tivesse censura você sequer poderia fazer essa crítica ao Estado. O Estado não proibiu a novela, apenas informou aos pais desavisados que a novela não é livre, ela tem uma trama complexa com elementos existenciais – parodiando Sartre. Você pode sacar o controle remoto e censurá-la, como mesmo disse, mas eu, que não tenho tempo de assistir a novela, tenho o direito de saber qual é a classificação etária. Isto é censura? 
De repente todos falam de tudo, criticam todos, demonizam a política, mas não cuidam de seus deveres básicos. Circula na internet um email bem curioso, que fala por si só sobre o que acontece com os brasileiros. Transcrevo-o na íntegra:
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Tá Reclamando do Lula? do Serra? da Dilma? do Arruda? do Sarney? do Collor? Do Renan? do Palocci? do Delubio? Da Roseana Sarney? Dos políticos distritais de Brasília? do Jucá? do Kassab? dos mais 300 picaretas do Congresso?
Brasileiro reclama de que? O brasileiro é assim:
1. Saqueia cargas de veículos acidentados nas estradas.
2. Estaciona nas calçadas, muitas vezes debaixo de placas proibitivas.
3. Suborna ou tenta subornar quando é pego cometendo infração.
4. Troca voto por qualquer coisa: areia, cimento, tijolo, e até dentadura.
5.Fala no celular enquanto dirige.
6. Trafega pela direita nos acostamentos num congestionamento.
7. Pára em filas duplas, triplas em frente às escolas.
8.Viola a lei do silêncio.
9.Dirige após consumir bebida alcoólica.
10. Fura filas nos bancos, utilizando-se das mais esfarrapadas desculpas.
11.Espalha mesas, churrasqueira nas calçadas.
12. Pega atestados médicos sem estar doente, só para faltar ao trabalho.
13. Faz "gato" de luz, de água e de tv a cabo.
14. Registra imóveis no cartório num valor abaixo do comprado, muitas vezes irrisórios, só para pagar menos impostos.
15. Compra recibo para abater na declaração do imposto de renda para pagar menos imposto.
16. Muda a cor da pele para ingressar na universidade através do sistema de cotas.
17.  Quando viaja a serviço pela empresa, se o almoço custou 10 pede nota fiscal de 20.
18. Comercializa objetos doados nessas campanhas de catástrofes.
19.Estaciona em vagas exclusivas para deficientes.
20. Adultera o velocímetro do carro para vendê-lo como se fosse pouco rodado.
21. Compra produtos pirata com a plena consciência de que são piratas.
22. Substitui o catalisador do carro por um que só tem a casca.
23. Diminui a idade do filho para que este passe por baixo da roleta do ônibus, sem pagar passagem.
24. Emplaca o carro fora do seu domicílio para pagar menos IPVA.
25. Freqüenta os caça-níqueis e faz uma fezinha no jogo de bicho.
26. Leva das empresas onde trabalha, pequenos objetos como clipes, envelopes, canetas, lápis.... como se isso não fosse roubo.
27. Comercializa os vales-transporte e vales-refeição que recebe das empresas
onde trabalha.
28. Falsifica tudo, tudo mesmo... só não falsifica aquilo que ainda não foi inventado.
29. Quando volta do exterior, nunca diz a verdade quando o fiscal aduaneiro pergunta o que traz na bagagem.
30. Quando encontra algum objeto perdido, na maioria das vezes não devolve.
E quer que só os políticos sejam honestos?”
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 Infelizmente, sim, este é um verdadeiro retrato do Brasil!

A primeira década

Poucos notaram, mas já acabou a primeira década do novo Milênio. Os tais anos 00. Mas qual foi a cara da primeira década? Aliás, quais as marcas das últimas décadas? A década de 60 ainda foi uma década eurocêntrica, na concepção equivocada de que em primeiro lugar vinha o primeiro mundo, depois o que sobrar dele. Mas os baby boomers estavam chegando à adolescência, fermentando o caminho para a aparição da contracultura, dos hippies, do reinado dos Beatles, Doors, Hendrix, Dylan; Os homicídios dos dois Kennedy traumatizaram os norte-americanos. Veio o início da insana guerra do Vietnã e da multiplicação das ditaduras nascentes com a Guerra Fria e esta ameaçou explodir o mundo algumas vezes em estágio Defcon 2. Rolling Stones, ainda com Brian Jones, já eram um enorme sucesso. O espião 007 surge com sucesso na pele de Sean Connery. Pelé era o ‘Rei’. Na mesma época em que os astronautas pousavam na Lua, uma tal série ’Jornada nas Estrelas’ ia galáxias muito além, com uma tripulação multirracial e internacional, que falavam em celulares flip e usavam computadores tablet, coisa esquisita disseram, por isso durou pouco a saga de Spock e Kirk na careta tv aberta americana. Na década de 70 veio a primeira crise mundial do petróleo, o primeiro susto dado nos ianques pelos árabes; no Brasil, Chico Buarque narrava a vida sob a pesada mão da ditadura de Médici, Geisel e Figueiredo; na Alemanha, o trágico ataque terrorista nas Olimpíadas de Munique; mas lá depois desfilou Cruyff e sua onipresente Laranja Mecânica na Copa de 74; na Copa seguinte foi a vez do grande Kempes e da chuva de papel picado na fria Argentina invernal em 78. A década de 70 foi a da inimaginável derrota americana no Vietnã e do início da aventura desastrada dos soviéticos no Afeganistão. Lá perto, os aiatolás iranianos começaram a mudar o tabuleiro político mundial. Os Rolling Stones, agora sem Brian Jones, continuavam a fazer um enorme sucesso, cometendo o genial 'Exile on main street'. Pink Floyd lança 'The dark side of the moon' e subverte o rock. No cinema, Operação França e o Poderoso Chefão ditam as regras. Kojak e a Família Walton dominam a televisão (ainda majoritariamente p&b no Brasil). Led Zeppelin botou pra quebrar, mas David Bowie foi a cara da década, reciclado, elegante, bebendo no melhor soul e depois indo revirar a euromusic em Berlin com Brian Eno. Roxy Music destilou álbuns deliciosos. Mas aí apareceram os Sex Pistols, que incendiaram tudo com o movimento punk em 77; ao mesmo tempo surge a disco music e Tony Manero dita as regras; mas James Bond continua bem, obrigado, veio até visitar o Brasil atrás do foguete da morte. ’Jornada nas Estrelas’ volta aos cinemas em sequências de enorme sucesso, mas também é a estréia da saga Guerra nas Estrelas, que marcaria uma geração inteira. Anos 80. A década mais querida por nove entre dez. Muita cor no pós Punk; veio a New Wave, Cold Wave e New Romantics. Madonna, Michael Jackson e até Miles Davis tocou Cindy Lauper! Duran Duran, Eurythmics, Police, Echo & The Bunnymen, New Order, The Clash, Talking Heads, The Cure, The Smiths, The Cult, Siouxsie... U2 apareceu devagarzinho com 'Boy' e depois deslanchou. Depois do Rock in Rio 1 despertou a cena do Rock Nacional, com Paralamas, Blitz, Titãs, Capital e Legião Urbana. Veio a redemocratização do Brasil sob o Presidente Sarney. Fim da censura! Promulgação da Constituição Federal de 1988. O dinheiro andava curto, mas Juba, Lula, Bacana e Zelda Scott garantiam armações ilimitadas. Os clips da MTV anunciam algo novo no ar. Surge Indiana Jones. Com ‘De volta para o futuro’, os filmes de John Badham e Star Wars, Hollywood enche os cofres. Feliz Ano Velho, de Marcelo Rubens Paiva foi o livro que mudou uma geração. O Flamengo dominou o mundo! Mas Paolo Rossi bem que deveria ter sido banido do futebol antes da Copa de 82! Os americanos se enrolam em novas escaramuças militares pela America Central. O Narcotráfico começou a assolar o continente inteiro. O vinil definha, surge o CD. Os Rolling Stones, com Mick Jagger ensaiando carreira solo, tiveram uma queda de vendagens, mas não se separaram. Roger Moore foi um agente 007 adequado ao clima festivo dos 80’s. Surge o Capitão Picard. Surge Gorbatchov. Cai o Muro! A década de 90 começa na ressaca do fim da Guerra Fria. As fronteiras mudam: a União Soviética se separa rapidamente, sem muita resistência, noves fora a Chechênia; a Tchecoslováquia se divide com a suavidade do veludo. Mas a Iugoslávia paga um preço cruel pelas rivalidades históricas e se engalfinha no pior conflito militar europeu após a II guerra mundial. No mundo capitalista, a cobra muda de pele novamente: agudas crises econômicas mundo afora. Argentina quebrada. México e Rússia também. Os tigres asiáticos recolhem as garras; o capitalismo se recicla e logo se foram as crises. O Brasil muda de rumo com o bem sucedido Plano Real de FHC. A computação permite um salto gigantesco da humanidade. A Microsoft e seu Windows dominam o mundo. Se Romário é o cara, a Internet não fica atrás! Televisão por assinatura cresce e aparece no Brasil. Celulares flip de meio quilo da Motorola são o sonho de consumo de nove entre dez terráqueos. O CD ainda não sabe, mas corre sério risco com o surgimento do MP3. O U2 lança o antológico álbum ‘Achtung Baby’. Enquanto isso, em Seattle, surgem as bandas que lançam o grunge rock: Nirvana, Pearl Jam e Soundgarden. A Inglaterra devolve na mesma moeda com o genial Radiohead. 007 é agora quase um pastiche na pele de Pierce Brosnan. Os Rolling Stones, que ameaçavam aposentadoria a qualquer momento, conseguem emplacar enorme sucesso com 'Voodoo lounge'. A Enterprise ganha novas dobras temporais com as novas séries Deep Space Nine e Voyager. No novo milênio o mundo mudou. Começou logo sob o manto da guerra contra o terror, após os ataques terroristas contra Nova York e Washington em 11 de setembro de 2001. Em cenário que remete à ficção os EUA são atacados por radicais islâmicos, herdeiros dos treinamentos dados a seus ascendentes pelos comandos militares nos Oriente Médio. Bush II, sentado em uma escolinha infantil na Flórida recebe a notícia e fica catatônico. Segue a invasão do Iraque, mais atentados mundo adentro, Afeganistão, Bin Laden, Paquistão, mais atentados... Ainda não terminou. No novo milênio está a era de ouro da comunicação, as pessoas se conhecem antes pela internet, depois pessoalmente. As Redes Sociais dominam. É o tempo do Facebook e Orkut. Dr. Google responde tudo. Imagem vale tudo. O uso do e-mail ajuda a desafogar os correios, que compensam seus lucros com o aumento do transporte de mercadorias diante das trocas globais que se intensificam; é fácil comprar de tudo; com um clique em um site de Cingapura, Taiwan ou Bauru tudo pode ser encontrado; e todos podem ser encontrados nesta Aldeia Global! O CD definha com o avanço do MP3 e os Ipods dominam o mundo. Um mundo novo aparece nos monitores Lcd ou Led em alta definição. A Microsoft cai, a Apple ressurge. O turismo intensifica-se; o dinheiro aumenta no mundo, até que a bolha especulativa americana começa a espocar em 2007. Os Brics navegam na marolinha e dão as cartas no G-20. A Europa tropeça. A China é a fábrica do mundo; o Brasil é a fazenda; a Índia é a contabilidade; a Rússia é a xerife. Os EUA tentam mudar de atitude, mas a herança que Obama recebe de Bush II é sinistra. O Tea Party assusta com seu discurso de retorno à America profunda. O crescimento do Brasil de Lula assombra o mundo! Dilma será a primeira mulher a presidir este país. Hugo Chávez e Evo Morales aparecem como personagens anacrônicos de filme da década de 60. JJ Abrahms conta em novo Star Trek a origem da Enterprise, o que já tinha sido ensaiado com a série de tv de mesmo nome. A indústria de videogames é uma das mais vigorosas no mundo. Jogar online é show! Celulares flip são coisa do passado, agora é o tempo de smartphones e tablets (como os usados ‘no futuro’ pelo Sr. Spock). Lost empolgou milhões de fãs pelo mundo. O mesmo efeito impactante teve o desfecho da trilogia O Senhor dos Anéis, de Peter Jackson. O agente 007 ressurge muito bem na pele de Daniel Craig, com estilo mais durão e realista. Os ingressos para shows do U2 mundo afora esgotam em horas. Sintomático. Inúmeros artistas voltam a fazer longas turnês diante da acentuada queda na venda de discos. Paul MacCartney volta ao Brasil para três shows antológicos em 2010. O público ganha com isso. No futebol Ronaldo foi um verdadeiro fenômeno e o Brasil leva a quinta Copa do Mundo! Os Rolling Stones, ainda vibrantes, foram magistralmente filmados em NY por Martin Scorsese e fizeram uma grande turnê mundial, inclusive tocando no Rio, em 2006, com enorme sucesso. Mick Jagger, milionário, sexy symbol, mito e lenda viva ganha uma inusitada fama de pé frio por sua ida à Copa da África do Sul, com a eliminação de seu English Team pela poderosa Alemanha (com uma ajudinha do juiz que não viu o ‘gol de empate’ de Lampard que entrou) e da seleção Canarinho de seu filho brasileiro Lucas. Pensando bem, parece que o pé frio era Dunga, que apanhou da Holanda na Copa, da Bolívia nas eliminatórias e da Argentina nas Olimpíadas de Pequim 2008. A década acabou, mas a história continua! 2011, 2012...

London Calling


Irônica ou profeticamente uma música de 2004 do grupo de rock britânico Franz Ferdinand dizia "Este fogo está fora de controle; estou indo queimar esta cidade toda" (This fire). Parece óbvio que Alex Kapranos, o líder escocês da banda, não estava incitando as turbas (riot) que violentamente atearam fogo à fleumática capital do Império Britânico desde o início de agosto, com milhares de presos, danos materiais enormes e que se espalhou por outras cidades e deixou atônitas as autoridades inglesas, surpreendidas com uma onda de violência como já não se via desde 1981, quando o bairro de Brixton e adjacências viraram campo de batalha. 

Alguns cientistas políticos viram nesses distúrbios alguns dos elementos presentes na Primavera Árabe, a série de revoltas populares que se iniciou na Tunísia, derrubou o ditador do Egito, atormentou Khadaffi na Líbia, cancelou um grand prix de F1 no Bahrein e solapou a autocracia dos Assad na Síria: elementos como insatisfação juvenil, desilusão, desemprego e sentimento de protestar contra falta de liberdade (no caso inglês, não contra a falta de liberdade, mas, em tese, contra os cortes sociais anunciados pelo Partido Conservador). Outros intelectuais viram nisso apenas desordem e saqueadores aproveitadores, que usaram a cortina de fumaça para furtar roupas de grife, tênis e eletrônicos. A morte do traficante Mark Duggan com um tiro no peito disparado pela polícia londrina foi o estopim dos confrontos. Até hoje não se sabe se ele era mesmo traficante, gangster ou colateral, mas logo após sua morte foi veiculada na web a informação de que a polícia havia assassinado um estudante negro indefeso etc, etc. A falta de informação concreta, os traumas de Brixton 85 e a pressa típica da vingança aceleraram os eventos e literalmente propagou as chamas de um movimento organizado a partir de redes sociais na internet. 

Analistas políticos advertiram que a partir dos violentos protestos em Atenas contra os cortes sociais ordenados pela União Europeia, todo o continente corria risco de ver protestos e conflitos de rua semelhantes. Paris já viveu isso recentemente em alguns banlieus e a globalização permite que Santiago do Chile também sofra com as turbas violentas, normalmente compostas por estudantes que confrontam o establishment, com as reivindicações típicas do saudosismo do mundo bipolar. Três fatos chamam atenção na crise londrina: o uso da web como ferramenta de articulação, a indecisão inicial da polícia em agir e a rapidez rigorosa da Justiça britânica em julgar os 1277 transgressores processados. Em dois casos a pena por estimular a adesão aos conflitos através do Facebook foi de quatro anos de prisão, demonstrando os juízes britânicos que a desordem pública não seria mais tolerada; pessoalmente, nesses dois casos, entretanto, eu vejo a pena como desproporcional e elevada. Ainda mais que a Justiça britânica não teve o mesmo rigor quando absolveu os policiais londrinos que mataram Jean Charles de Menezes com sete tiros, quando ele estava dentro de um vagão de metrô, desarmado, vítima colateral da paronoia terrorista pós 11 de setembro de 2001. 

O uso da internet virou uma faca de dois gumes: primeiro é usada para articular o movimento; depois, a Justiça usa as postagens contra os próprios transgressores, a exemplo do que foi feito aqui no Brasil pela Justiça Federal contra a lunática paulista Maiara Petruso que incitou pelo Twitter a morte de nordestinos, quando da campanha eleitoral de 2010. Peter Gabriel, o genial músico e ativista cultural inglês, há mais de uma década mantém um sítio na web chamado witness.org, uma espécie de Youtube político, pelo qual as pessoas postam videos de denúncia de violação de direitos humanos. Gabriel diz que se Orwell previu o uso da vigilância do Grande Irmão contra os indivíduos, chegou a hora de os indivíduos usarem seus celulares e filmadoras para denunciar os atos violadores do Grande Irmão. Não é à toa que autocracias como China, Irã e Síria vigiam (ou tentam) o uso da internet. Entretanto, a inventividade humana fura constantemente o bloqueio estatal e as imagens de Pequim, Teerã e Damasco navegam web afora. Enfim, quem melhor resumiu tudo foi a crônica de Ivan Lessa para a BBC, denominada sensacionalmente de "verão londrino, primavera árabe".