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8 de out. de 2013

A VIOLÊNCIA NO FUTEBOL

 Eric Hobsbawm, o grande historiador britânico, comentando certa vez a Guerra das Malvinas, disse que a Argentina e a Inglaterra se lançaram em uma louca guerra por um pântano e uma pastagem acidentada e áspera por conta da “solidariedade” que emana de um “nós” imaginário, em oposição a um “eles” ‘simbólico’. Ou seja, são “eles” contra “nós”. Eles, os outros, claro, quem quer que sejam.

Desde os tempos mais remotos o homem vê como inimigo quem é diferente, o ‘etnos’; o outro que virou escravo, servo, excluído, morto, porque era mais fraco, deficiente físico, de outra cor, de outro sexo etc. Lições foram aprendidas depois de tantos séculos de perseguição, depois de tantas mulheres queimadas como bruxas nas fogueiras da Inquisição ou de inimigos do Estado com suas cabeças cortadas. O outro é o inimigo. O preconceito mais comum relaciona-se com a cor da pele, temas religiosos, tema sexual e de classe social. Se, hipoteticamente, todos os homens fossem iguais, outro preconceito seria certamente inventado: quem seria o próximo alvo? O gordo? O canhoto? O magro ou o feio?

O ódio individual e a vingança privada foram sendo substituídos pelo estado kantiano, contratualista  e racional, que tomou para si o poder absoluto de polícia. As sociedades mais evoluídas trataram de punir seus criminosos, com mais ou menos rigor. Países violentos no passado, como Japão e Alemanha, convivem hoje com baixa criminalidade. Porém, países com tranquila convivência social, como a Grã-Bretanha e Itália, convivem com um absurdo fantasma: a violência de torcedores de futebol. Curiosamente, foi um jogo entre dois times dos países respectivos, Liverpool e Juventus, que mudou o panorama do futebol europeu. Era 29 de maio de 1985, na final da Copa dos campeões da Uefa, em Bruxelas. Uma briga iniciada pelos hooligans resultou em 38 mortos e um número enorme de feridos. Foi a tragédia de Heysel. Por conta disso, os times ingleses foram proibidos por cinco anos de disputar compeonatos europeus. Torcedores foram processados, fichados, vigiados. As brigas em estádio minguaram; os alambrados foram sumindo. O estado kantiano agiu e a violência diminuiu. Mas não se enganem, a presença do ‘English Team’ é sempre preocupante em Copas do Mundo (na Alemanha, em 2006, foi um festival de brigas e confusão). Na África do Sul eles certamente vão aprontar; espero que nem se classifiquem para a Copa no Brasil. No filme “Invictus”, de Clint Eastwood, uma piada contada disse que o futebol é um esporte para cavalheiros jogado por hooligans; já o rugby é um esporte de hooligans jogado por cavalheiros. É a pura verdade. Brigas acontecem mundo afora, na Argentina, Chile, México, Colômbia, em países africanos e europeus. Na Turquia a faca dita as regras.

No Brasil, palco da Copa do Mundo de 2014, vergonhosamente a violência assola o futebol. Brigas dentro e fora do campo. As cenas do Estádio Couto Pereira invadido e destroçado pela própria torcida caseira na última rodada do brasileiro de 2009 são lastimáveis em todos os aspectos. A pena máxima aplicada ao Coritiba foi até pequena. A torcida fascista avalanche do Grêmio coleciona confusões. Nome aos bois: Independente, Raça Rubro Negra, Gaviões da Fiel, Torcida Jovem, Mancha Verde ...  

Os inimigos podem ser eles, os ‘bambis’, contra nós os ‘porcos’; ou vice versa. Eles os ‘bacalhaus’, nós os ‘urubus’; eles, as ‘raposas’, nós os ‘galos’. As torcidas organizadas são espécies de gangues pós-modernas, sem moral, ideologia, razão de ser, o que Laranja Mecânica de Kubrick havia previsto.  Não importa, se tua camisa é diferente, viras inimigo geral. Serás a próxima vítima! As últimas brigas entre torcidas organizadas de Palmeiras e São Paulo ou do Corintians contra vascaínos não serão, infelizmente, as derradeiras. Elas voltarão sim. Outros morrerão.

As tentativas heróicas do Ministério Público de São Paulo de proibir as torcidas organizadas sempre encontram adversários. Interesses econômicos ou políticos movem as organizadas. Diretores abastacem simpatizantes de ingressos e material esportivo. Políticos colhem seus votos. O sentimento de impunidade reina. O esporte fica em segundo plano. A insanidade chegou ao ponto de se correr risco de morte ao vestir a camisa de seu time. Ou essas ‘torcidas’ são proibidas de vez ou então os jogos terão de ser de uma torcida só. O futebol, cantado em verso e prosa, musicado pelo tricolor Chico Buarque, pelo vascaíno Paulinho da Viola e pelo rubro-negro Jorge Benjor está sob risco de emudecer.


Antes que eu esqueça: em Heysel, a Juventus ganhou de 1 a 0 e foi campeã. Gol do mago Michel Platini. Não é isso que importa para o futebol?

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