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2 de abr. de 2020

A HUMANIDADE ENTRE O VISÍVEL E O INVISÍVEL


A HUMANIDADE ENTRE O VISÍVEL E O INVISÍVEL



A pandemia do vírus Covid-19 paralisou quase todo o mundo nos primeiros meses de 2020, com mais de trezentos mil doentes em apenas três meses, mais de dez mil mortes, sendo a maioria de pessoas de idade mais elevada, conforme as estatísticas oficiais, que não param de crescer, da OMS. Editaram-se decretos de quarentena obrigatória em muitos países, inclusive no Brasil, para reduzir o risco de contágio, fechando lojas, shoppings, bares e restaurantes. Competições esportivas foram suspensas mundo afora. Foi reduzida drasticamente a oferta de voos. A probabilidade de recessão econômica mundial é real, bem como o risco de aumento do desemprego e de falência de muitas empresas.

Como chegamos nesse ponto? A comunidade científica foi atacada repetidamente nos últimos anos por variados grupos, como o movimento anti-vacinação e os terraplanistas. Eis, agora, o valor inestimável de cientistas e pesquisadores, que, de modo incansável, trabalham contra a urgência do tempo e sob duras provações em busca de cura.


Inicialmente, os chineses foram ofendidos e confinados, mas, depois, a pandemia fez com que europeus também fossem barrados mundo afora. A União Europeia regressou a um tempo anterior ao Tratado de Schengen, de 1985, e vários países fecharam suas fronteiras. Até italianos do norte foram proibidos de chegar ao sul da Itália, agora menos afetada pela pandemia - e por anos uma região desprezada pelos nortistas. Ironicamente, a Itália era a mais empenhada em bloquear as legiões de refugiados das guerras e da miséria na África e na Síria, que tentavam chegar à rica Europa em embarcações frágeis demais para vencer as ondas bravias do Mediterrâneo.


Santo Agostinho sempre pensou o homem inserido plenamente na sociedade, jamais isolado e alheio ao que acontecia no mundo. Por isso, ele dizia que a reflexão que todos deveriam fazer um dia seria dizer no que você se tornou ao longo da vida, diante de seus velhos sonhos e desejos do passado. Santo Agostinho, ele próprio nascido no norte da África, no que hoje é parte do território da Argélia, usou o simbolismo de três categorias de navegadores para tratar dos desafios filosóficos para a humanidade e as falsas promessas e ilusões de felicidade (Diálogo sobre a felicidade. Lisboa, Edições 70, 2014. p. 14). Três perguntas deveriam ser formuladas sob inspiração agostiniana: você está feliz? Obteve suas riquezas materiais acompanhadas do quê? E sua riqueza espiritual, como está? São perguntas muito pertinentes, mesmo na pós-modernidade. E nenhuma delas escapa de uma miríade de possíveis debates filosóficos, sociológicos, psicanalíticos ou políticos.


A fraternidade é imprescindível nesse momento. O ministro Reynaldo Soares da Fonseca vê na fraternidade “uma ligação universal entre seres igualmente dignos, cujo resultante um complexo sistema de solidariedade social e atenção social aos necessitados, previamente à própria falência do Estado liberal” (FONSECA, Reynaldo Soares da. 2019. p. 51).


Michael Sandel, em seu livro “Justiça” (SANDEL, Michael. Justiça: o que é fazer a coisa certa, 2015. p. 11.), criticou o egoísmo de alguns norte-americanos após o furacão Charley devastar o sul dos Estados Unidos, em 2004, quando muitos obtiveram lucros astronômicos pela venda de água mineral e pão, dois itens essenciais. Em 2020, na pandemia do Corona vírus, muitos estocaram álcool gel e papel higiênico, como se fosse enredo de filme apocalíptico.


A crise advinda da pandemia viral mostrou a importância de um Estado organizado, que possa garantir o funcionamento das instituições fundamentais, como hospitais, transportes, distribuição de água e manutenção de sistemas sanitários, afastando o risco do colapso dos sistemas sociais e de segurança pública.


O Estado deve coexistir harmonicamente ao lado das empresas e da sociedade civil, mas não pode ser insensível à realidade de uma sociedade em crise. O Judiciário teve de fechar os fóruns, mas, graças ao Processo Eletrônico, os magistrados continuam a analisar os processos.


A quarentena durante a Quaresma não permitirá que milhões de trabalhadores fiquem recolhidos em casa, pois terão de continuar em intenso e fundamental labor. São médicos, enfermeiros, cientistas, motoristas, cuidadores de idosos, policiais, farmacêuticos, bombeiros, padeiros, entregadores de produtos, atendentes de hospitais, açougueiros, comerciantes, eletricistas, técnicos de informática, cozinheiros, agricultores, metalúrgicos, dentre tantos outros, que precisam continuar trabalhando.


Após sete milhões de vítimas fatais, a humanidade ainda sofre as dores trazidas pela pandemia viral. Esse momento será superado. Mas, que nunca se esqueça o valor do trabalho de todos os profissionais que dedicaram suas vidas desde 2020 para salvar milhões de outras vidas.

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