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8 de dez. de 2011

Ameaça de extinção: lojas de discos

Passar uma manhã de sábado perdido na Modern Sound, a tradicional loja de discos na rua Barata Ribeiro, em Copacabana, era um dos momentos preferidos em todas as vezes em que eu viajava ao Rio. Lá, eu iniciava o dia remexendo as prateleiras, escutando o show ao vivo no bistrô, regado a bolinhos de bacalhau e chopp glacial. Só depois de ter cumprido esse ritual o meu dia começava e eu partia para o resto da Cidade Maravilhosa. Em dezembro de 2010 inesperadamente a loja fechou! A exemplo de outras tradicionais lojas de música mundo afora, como a Virgin em NY, a Gramophone e Hi-Fi no Brasil, a Modern Sound não resistiu a um dos aspectos mais perniciosos da globalização: a pirataria musical e a queda acentuada na venda de cds. 

Não é de hoje que eu reparo que as antigas lojas desapareceram e continuam a desaparecer das ruas brasileiras. Os grandes magazines tomaram seu lugar físico e o grande estoque fica trancado em algum galpão da cidade, já que a melhor parte dos lucros já vem da venda nos sítios de web. A indústria da música vive um paradoxo. Com tanta informação na Net hoje é fácil gravar um disco; mas quem vai comprar se tudo pode ser baixado de graça? E se também é fácil e barato comprar direto de sites estrangeiros. Dez anos atrás diziam que as livrarias também desapareceriam, mas sua longevidade chega a ser melhor do que a dos discos. A variedade de títulos, de interação com o público em oficinas, a diversificação de produtos (até discos e blurays) e palestras mostra um caminho interessante a ser trilhado. As lojas físicas estão fadadas a sumir e tudo será virtual. Mesmo as que mesclam venda de discos, com equipamentos musicais ou bar-restô, como era a Modern Sound, correm risco. Claro que as grandes gravadoras provaram do próprio veneno e são responsáveis pela sua derrocada; primeiro ao praticar preços extorsivos pelos discos durante décadas. E por continuar com os preços elevados mesmo depois dos sinais de que as gerações mais novas não têm apreço pela bolachinha prateada e pegam tudo de graça da internet. 

A verdade é que apenas colecionadores, saudosistas e apaixonados pela música continuam a comprar discos. É certo que é muito mais fácil e prático manter arquivos compactos em ipods e hds; o problema é quando eles queimam. Pelo menos o sistema de compra da iTunes store permite um backup do que foi comprado legalmente lá. Não raro sinto-me dinossáurico ao comprar cds. Mesma na cult Galeria do Rock, na região da República, em S. Paulo, procuro lojas antigas e vejo em seu lugar surgirem butiques, tattoo studios e salões de beleza. Ver a resistência da London Calling ou Baratos Afins é fato animador, é bem verdade. Na época do fechamento da Modern Sound, o cantor e compositor Marcos Valle, em entrevista para o Globo, disse que seu fim era uma perda irreparável: “Além de uma loja sofisticada, virara uma casa de shows excelente, perfeita para o lançamento de CDs, com shows que atraíam grande público e davam trabalho a muitos músicos. Sinceramente, lamento profundamente, como o fiz no fechamento do Mistura Fina”. Também o compositor Ronaldo Bastos lamentou o fim de "um oásis de cultura e sofisticação"; ele disse que “uma instituição como a Modern Sound quando fecha o que se perde é o que a indústria da música mais precisa e, paradoxalmente, deixou se esvair pelo ralo: mágica. É lamentável ver que essas ilhas estejam sendo submersas enquanto quem deveria procurar a solução repete um discurso técnico contaminado por essa vanguarda do atraso que hoje toma conta da mídia e das instituições culturais, arrotando de boca cheia bobagens como o fim do disco, o fim do quadro, o fim dos direitos etc. Algo ideologicamente oposto aos interesses fundamentais da indústria cultural”. Eu não sabia que minha visita em março de 2010 seria a última à Modern Sound. Guardarei sua lembrança, já que a música evoca lugares, pessoas, aromas, sentimentos… Da última visita eu trouxe de lá o disco do SambaJazzTrio, que a todos encantava nas manhãs de sábado e outros muitos mais. Vem imensa saudade quando observo os adesivos nos discos com as logomarcas das lojas. 

Na minha memória afetiva os selos são a certidão de nascimento dos discos; alguns deles serão inesquecíveis: Pat Metheny, “The first circle”, meu primeiro cd, comprado na Mesbla, São Luís, 1989. Lloyd Cole & The Commotions, “Rattlesnakes”, vinil, comprado na Bruno Blois, SP, 1986, na companhia de meu Pai. Legião Urbana, “Dois”, vinil, comprado na querida Discomania, em São Luís, 1986. The Cult, “Ceremony”, cd, comprado na Hi-Fi, SP, 1992. Peter Gabriel, “Passion”, cd, Modern Sound, RJ, 2010. Todas já fecharam.

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