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8 de dez. de 2011

London Calling


Irônica ou profeticamente uma música de 2004 do grupo de rock britânico Franz Ferdinand dizia "Este fogo está fora de controle; estou indo queimar esta cidade toda" (This fire). Parece óbvio que Alex Kapranos, o líder escocês da banda, não estava incitando as turbas (riot) que violentamente atearam fogo à fleumática capital do Império Britânico desde o início de agosto, com milhares de presos, danos materiais enormes e que se espalhou por outras cidades e deixou atônitas as autoridades inglesas, surpreendidas com uma onda de violência como já não se via desde 1981, quando o bairro de Brixton e adjacências viraram campo de batalha. 

Alguns cientistas políticos viram nesses distúrbios alguns dos elementos presentes na Primavera Árabe, a série de revoltas populares que se iniciou na Tunísia, derrubou o ditador do Egito, atormentou Khadaffi na Líbia, cancelou um grand prix de F1 no Bahrein e solapou a autocracia dos Assad na Síria: elementos como insatisfação juvenil, desilusão, desemprego e sentimento de protestar contra falta de liberdade (no caso inglês, não contra a falta de liberdade, mas, em tese, contra os cortes sociais anunciados pelo Partido Conservador). Outros intelectuais viram nisso apenas desordem e saqueadores aproveitadores, que usaram a cortina de fumaça para furtar roupas de grife, tênis e eletrônicos. A morte do traficante Mark Duggan com um tiro no peito disparado pela polícia londrina foi o estopim dos confrontos. Até hoje não se sabe se ele era mesmo traficante, gangster ou colateral, mas logo após sua morte foi veiculada na web a informação de que a polícia havia assassinado um estudante negro indefeso etc, etc. A falta de informação concreta, os traumas de Brixton 85 e a pressa típica da vingança aceleraram os eventos e literalmente propagou as chamas de um movimento organizado a partir de redes sociais na internet. 

Analistas políticos advertiram que a partir dos violentos protestos em Atenas contra os cortes sociais ordenados pela União Europeia, todo o continente corria risco de ver protestos e conflitos de rua semelhantes. Paris já viveu isso recentemente em alguns banlieus e a globalização permite que Santiago do Chile também sofra com as turbas violentas, normalmente compostas por estudantes que confrontam o establishment, com as reivindicações típicas do saudosismo do mundo bipolar. Três fatos chamam atenção na crise londrina: o uso da web como ferramenta de articulação, a indecisão inicial da polícia em agir e a rapidez rigorosa da Justiça britânica em julgar os 1277 transgressores processados. Em dois casos a pena por estimular a adesão aos conflitos através do Facebook foi de quatro anos de prisão, demonstrando os juízes britânicos que a desordem pública não seria mais tolerada; pessoalmente, nesses dois casos, entretanto, eu vejo a pena como desproporcional e elevada. Ainda mais que a Justiça britânica não teve o mesmo rigor quando absolveu os policiais londrinos que mataram Jean Charles de Menezes com sete tiros, quando ele estava dentro de um vagão de metrô, desarmado, vítima colateral da paronoia terrorista pós 11 de setembro de 2001. 

O uso da internet virou uma faca de dois gumes: primeiro é usada para articular o movimento; depois, a Justiça usa as postagens contra os próprios transgressores, a exemplo do que foi feito aqui no Brasil pela Justiça Federal contra a lunática paulista Maiara Petruso que incitou pelo Twitter a morte de nordestinos, quando da campanha eleitoral de 2010. Peter Gabriel, o genial músico e ativista cultural inglês, há mais de uma década mantém um sítio na web chamado witness.org, uma espécie de Youtube político, pelo qual as pessoas postam videos de denúncia de violação de direitos humanos. Gabriel diz que se Orwell previu o uso da vigilância do Grande Irmão contra os indivíduos, chegou a hora de os indivíduos usarem seus celulares e filmadoras para denunciar os atos violadores do Grande Irmão. Não é à toa que autocracias como China, Irã e Síria vigiam (ou tentam) o uso da internet. Entretanto, a inventividade humana fura constantemente o bloqueio estatal e as imagens de Pequim, Teerã e Damasco navegam web afora. Enfim, quem melhor resumiu tudo foi a crônica de Ivan Lessa para a BBC, denominada sensacionalmente de "verão londrino, primavera árabe".

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