Vários processos de transformação social ao longo do século passado mudaram a forma como o Ocidente se relaciona com a religião. Talvez tenha sido o desespero gerado pela tragédia da Segunda Guerra Mundial que iniciou essa desesperança no divino, mas foi a contracultura libertária dos anos 60 que se encarregou de trazer a mulher, os jovens e as minorias étnicas para o centro de todas as discussões importantes e inclusivas. Mudaram os hábitos culturais, a televisão aproximou pessoas, mas distanciou gerações; a sociedade passou a freneticamente consumir, apesar do aviso de Herbert Marcuse em “A Ideologia da Sociedade Industrial” e uma legião hedonista e egoísta despontou.
As sociedades islâmicas, ao contrário, mudaram muito pouco. A pobreza isolou o mundo do Islã; a descoberta do petróleo beneficiou apenas as elites locais, mas o conflito religioso voltou a despertar em 1979, quando os aiatolás tomaram o poder no Irã ocidentalizado, época em que as guerras religiosas ancestrais entre cristãos e muçulmanos estavam pacificadas e na segunda metade do século passado a guerra era fria.
Lembrei disso por causa da Páscoa católica. Na década de 70 a Páscoa me passava uma sensação de silêncio e recolhimento; não se fazia barulho em casa; música apenas clássica; conheci famílias católicas cuja ceia era composta apenas de vinho, pães e torradas feitas com azeite de oliva; não havia ainda o costume atual de troca intensa de ovos de chocolate, que faz a alegria das crianças, chocólatras e da contabilidade do comércio. Cristo era a principal razão de ser da data, própria para um reflexão ética, meditação, recolhimento e penitência sobre o sofrimento de nosso redentor, por nós.
Se o hábito de comer frutos do mar ainda é arraigado no Maranhão, era muito mais antigamente. Uma experiência divertida atualmente é ir a qualquer praça de alimentação de shopping em plena sexta feira santa e ver a quantidade de gente se deliciando com fartos hambúrgueres de carne vermelha – seria esse o supremo pecado da gula? Lembro a carinha desapontada de meu filho Renato, na Páscoa de 2009, à época com 9 anos, que não conseguiu trocar a carne do Mclanche feliz por um McFish (“- regras da casa, senhor”); ainda bem que o bendito Ministério Público obrigou as redes de fast food a vender só os brinquedinhos (que, afinal, é o que as crianças querem de fato). Ao menos meu querubim não comeu carne e ainda levou o boneco do Naruto pra casa.
Temo que hoje boa parte das pessoas veja que o sentido da Páscoa é comer bacalhau e chocolate e que o simpático coelhinho é a estrela da festa.
E virou festa sim, pois no sábado de Aleluia lá estava Ivete Sangalo soltando os demônios na cidade.
E pra quem achou muito ruim o show de Ivete, nem se preocupe, pois na vida tudo pode piorar: na Páscoa do próximo ano pode ter “Rebolation”...
Eu me pergunto: por que será que o vazio espiritual continua tão forte?
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