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3 de abr. de 2015

OS RITOS PASCAIS



O historiador australiano Geoffrey Blainey, em uma passagem de seu livro “Uma breve história do Mundo”, escreveu que no início do século XX não havia muita diferença entre os costumes de uma família muçulmana e uma família cristã; ambas preservavam valores conservadores, como o respeito  absoluto ao papel dominante do pai, o repúdio ao divórcio, ao aborto e o apego a dogmas como a virgindade (principalmente feminina) antes do casamento e a presença massiva nos cultos religiosos.

Vários processos de transformação social ao longo do século passado mudaram a forma como o Ocidente se relaciona com a religião. Talvez tenha sido o desespero gerado pela tragédia da Segunda Guerra Mundial que iniciou essa desesperança no divino, mas foi a contracultura libertária dos anos 60 que se encarregou de trazer a mulher, os jovens e as minorias étnicas para o centro de todas as discussões importantes e inclusivas. Mudaram os hábitos culturais, a televisão aproximou pessoas, mas distanciou gerações; a sociedade passou a freneticamente consumir, apesar do aviso de Herbert Marcuse em “A Ideologia da Sociedade Industrial” e uma legião hedonista e egoísta despontou.

As sociedades islâmicas, ao contrário, mudaram muito pouco. A pobreza isolou o mundo do Islã; a descoberta do petróleo beneficiou apenas as elites locais, mas o conflito religioso voltou a despertar em 1979, quando os aiatolás tomaram o poder no Irã ocidentalizado, época em que as guerras religiosas ancestrais entre cristãos e muçulmanos estavam pacificadas e na segunda metade do século passado a guerra era fria.

Lembrei disso por causa da Páscoa católica. Na década de 70 a Páscoa me passava uma sensação de silêncio e recolhimento; não se fazia barulho em casa; música apenas clássica; conheci famílias católicas cuja ceia era composta apenas de vinho, pães e torradas feitas com azeite de oliva; não havia ainda o costume atual de troca intensa de ovos de chocolate, que faz a alegria das crianças, chocólatras e da contabilidade do comércio. Cristo era a principal razão de ser da data, própria para um reflexão ética, meditação, recolhimento e penitência sobre o sofrimento de nosso redentor, por nós.

Se o hábito de comer frutos do mar ainda é arraigado no Maranhão, era muito mais antigamente. Uma experiência divertida atualmente é ir a qualquer praça de alimentação de shopping em plena sexta feira santa e ver a quantidade de gente se deliciando com fartos hambúrgueres de carne vermelha – seria esse o supremo pecado da gula? Lembro a carinha desapontada de meu filho Renato, na Páscoa de 2009, à época com 9 anos, que não conseguiu trocar a carne do Mclanche feliz por um McFish (“- regras da casa, senhor”); ainda bem que o bendito Ministério Público obrigou as redes de fast food a vender só os brinquedinhos (que, afinal, é o que as crianças querem de fato). Ao menos meu querubim não comeu carne e ainda levou o boneco do Naruto pra casa.

Temo que hoje boa parte das pessoas veja que o sentido da Páscoa é comer bacalhau e chocolate e que o simpático coelhinho é a estrela da festa.

E virou festa sim, pois no sábado de Aleluia lá estava Ivete Sangalo soltando os demônios na cidade.

E pra quem achou muito ruim o show de Ivete, nem se preocupe, pois na vida tudo pode piorar: na Páscoa do próximo ano pode ter “Rebolation”...

Eu me pergunto: por que será que o vazio espiritual continua tão forte?


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